A arte de dar nome aos bois: a polêmica e a (falta de) unidade na esquerda radical

Se queremos construir um campo político de fato, uma esquerda radical capaz de intervir unida nas principais lutas dos trabalhadores, como primeiro passo precisamos fazer isso a partir de um amplo debate entre suas principais correntes e partidos, aberta e qualificadamente, dando nome aos bois.

A arte de dar nome aos bois: a polêmica e a (falta de) unidade na esquerda radical

Por Diego Vieira | Tribuna de Debates

Enquanto preparava um balanço sobre o que foi nossa participação no CONUNE, me deparei com um dos tópicos que mais merecem atenção, fruto direto das reflexões sobre nossa campanha, participação em mesas de debates e o tom geral da nossa agitação: o papel da polêmica externa ao partido, inclusive — ou principalmente — com aqueles mais próximos de nós.

O que diferencia o PCBR da UP/PCR? Quais são as diferentes posições que a UJC tem em relação ao Juntos!, ao Correnteza, ao Rebeldia, juventudes aliadas dentro da oposição de esquerda? Por que há tantos partidos comunistas no Brasil — e, principalmente, por que não é possível construir uma unidade de ação? Não querem todos a mesma coisa? O que faz cada partido construir seus atos sozinho, suas lutas sozinho, suas campanhas eleitorais sozinho? Por que a esquerda liberal consegue uma ampla união duradoura, enquanto a esquerda radical sofre para fazer alianças meramente táticas? Por que não se juntam todos num grande partido ou frente? Não seria uma boa se tivéssemos Jones Manoel presidente e Léo Péricles de vice em 2026? Para que tanta fragmentação, o PCBR e o PCB não deviam se fundir novamente?

Essa massa gelatinosa de partidos socialistas/comunistas, até de marxistas-leninistas, confusamente tão diferentes mas tão próximos, aos olhos de qualquer espectador de fora, fazem muito pouco sentido. No CONUNE, qualquer um que prestou atenção nas defesas durante a plenária final (ou durante as campanhas em muitos casos), deve ter tido a sensação que todo mundo defende vagamente as mesmas coisas. Todos são a favor (em discurso) do fim do arcabouço fiscal, do fim da 6x1, da solidariedade ao povo palestino, do aumento dos salários dos trabalhadores, da educação pública, da saúde pública, da soberania nacional etc. e etc. Aos ouvintes, muitas vezes, parece que resta somente escolher qual é o discurso mais cativante.

O mais comum é a diferença — mais notória — entre governismo/reformismo e “independentes”/oposição, e mais pela lacuna do governismo do que pela contraposição de uma alternativa versus a outra, pois os reformistas conseguem ser muito bem dissimulados em não expor claramente o que acham para os trabalhadores, enquanto fingem que os defendem. Não dizem defender a austeridade e o arcabouço fiscal: simplesmente não falam desse assunto e, enterrando tudo para debaixo do tapete, parecem acreditar que a casa está limpa. Divididos os dois lados, resta então essa coisa quase indissociável em cada campo: todas as organizações reformistas têm o mesmo discurso e, na realidade, conseguem uma unidade em trair o povo — o Estado burguês, seus acordos eleitorais e cargos ajudam em muito isso. As organizações revolucionárias, por outro lado, têm também um discurso pouco diferenciado, porém sem conseguir a mesma unidade de ação.

O que justifica essa desunião? De fora, ninguém sabe. Não é exposto publicamente em canto nenhum; não são publicadas notas, não há espaços coletivos de discussão entre partidos sobre táticas comuns — em vários deles não há espaços coletivos de discussão nem mesmo intrapartido —, não há compromisso com nada mais que cada partido consigo mesmo. Começamos a militar e vamos aos poucos percebendo. Cada um participa de frentes/articulações por conveniência ou por ser impossível fingir que elas não existem (quando há pressão real das bases), mas sonha com o dia que não precisarão de nenhum outro partido/coletivo ao lado e, finalmente, serão autossuficentes e independentes guiando a classe — se é que ainda vão lembrar que precisam dela.

Sem preocupação com a crítica organizada, falemos mal dos outros partidos nas conversas de corredores, nas reuniões, nas atividades, depois delas, nas mesas de bares e nos grupos de mensagens. Cuidado só para não falar alto demais ou expor o que nós pensamos mas não dizemos, isso seria péssimo para as relações públicas, e estar nas graças daquele parlamentar ou daquele partido é mais importante que coerência, ideologia proletária, firmeza política ou essas coisas que dizemos ter. Falemos no twitter, com menos de um parágrafo para cada “crítica”: aquela organização é feia, esta é bonita; aquela inventou a onça, esta acha que estamos na Rússia de 1917; esta é mais popular ou mais periférica que aquela, uma é mais bolchevique ou mais comunista que a outra.

Oficialmente preferem somente falar sobre si mesmos — pois fazer política é “construir o seu”, é somente expor seu programa e o quanto você é revolucionário, como se existíssemos num vácuo onde não há nenhum outro partido (que também se diga revolucionário) no mundo —, sem perceber que estão todos falando as mesmas coisas, como papagaios mudando apenas a coloração da penugem, e que, ao trabalhador que os vê de fora, são apenas farinha do mesmo saco.

Devo fazer um grande elogio aos camaradas do Rebeldia (PSTU), que, durante o CONUNE (mas também já desde, pelo menos, o CONEB no início do ano) fizeram o esforço político de em seus materiais agitativos (panfletos e jornal) se diferenciar das outras organizações presentes naqueles espaços. Fizeram uma edição gratuita do jornal Opinião Socialista só polemizando com a majoritária (em parte) e com a oposição (principalmente), inclusive conosco — e creio que tem sido um erro de nossos dirigentes e figuras públicas da UJC não terem ainda elaborado uma resposta em nosso site, que deve ser o quanto antes sanado: não só há a crítica do Rebeldia, como há uma tribuna criticando também o paradigma teórico na análise internacional, deixado sem resposta pelo CC. Num “campo” de oposição como o que fazemos no ME, é muito fácil que as alianças borrem completamente as distinções entre as forças e que pareça que é tudo igual, que todo mundo defende as mesmas coisas do mesmo jeito; e é somente a polêmica — cristalina e centrada no caráter político — que consegue mostrar o que é cada uma em contraposição a outra.

Creio ser de fundamental importância cimentar o espírito polemista em nossa militância, contra o corporativismo presente na política como um todo, mesmo na “revolucionária”. Já demos passos fundamentais em relação à polêmica e seu papel para forjar a unidade ideológica no âmbito interno, e não quero aqui repetir a ladainha que todos ouvimos na missa de (décimo-) sétimo dia do PCB. Agora voltemos nossos olhos à polêmica para o âmbito externo, para forjar o que for possível de unidade diretamente com os partidos que estão nas trincheiras conosco.

Tomemos a atual discussão sobre tática eleitoral da esquerda radical em relação a 2026 como exemplo inicial para ilustrar nosso argumento. Jones Manoel, em vídeo recente de seu canal, faz alguns apontamentos acerca da unidade da esquerda. Por que não conseguimos ter unidade efetiva, especialmente para além de pequenas mobilizações (em tamanho e impacto) como DCEs, Sindicatos, atos de rua? Ele responde:

"Para mim, a explicação aqui é muito simples. No movimento estudantil, no movimento sindical, nos movimentos sociais, nas lutas de rua, a gente tem bases que dependem da nossa resposta objetiva. Então é muito claro e muito concreto quando a gente vai disputar, por exemplo, um DCE, quando a gente vai pautar um ato de rua, quando a gente vai disputar um sindicato, se a gente não estabelece o mínimo de unidade, a gente vai perder pros pelegos, vai perder para uma entidade patronal, por exemplo. E a gente tem bases ali significativas que pressionam por essa unidade, que questionam, por exemplo, políticas de autoconstrução que prejudicam o objetivo tático ali colocado. [...] Como a esquerda radical é, no Brasil nos últimos anos, irrelevante no processo eleitoral, esta pressão não existe. Esta pressão não existe porque a esquerda radical no processo eleitoral, e aqui falando especificamente da eleição presidencial, ela é irrelevante. [...] Particularmente, a dinâmica tem sido: cada partido lança sua candidatura que dialoga única e exclusivamente com a sua base social já construída. É uma candidatura meramente de autoconstrução e que acaba não tendo nem sequer um peso médio no debate público nacional e na consciência da classe trabalhadora."

Ao propor um apoio à candidatura da UP à presidência em 2022 e, em contrapartida, garantir o apoio dela às nossas candidaturas à governança de estados estratégicos, nem a direção do PCB unificado nem a da UP aceitaram.

"E aí, como é que foi o negócio? Cada um lançou sua candidatura. Foram candidaturas, do ponto de vista do debate público, irrelevantes, ainda que tenham contribuído no levantamento de algumas pautas, como a redução da jornada de trabalho. Mas do ponto de vista do debate nacional foram irrelevantes. É isso. E cada organização comemora, no final, os recrutamentos. [...] Cada organização lança seu candidato, faz uma campanha em si mesmada, uma campanha para si. Isso não vai ter peso nenhum no debate, na formatação da consciência, nos rumos da disputa política eleitoral do Brasil. Ao final do processo, cada organização comemora que vai recrutar mais 1.000, mais 2.000, mais 3.000, mais 4.000 cabeças. E feito. Veja, se for isso, preciso dizer claramente, a esquerda radical tá sendo irresponsável! Ela tá sendo inclusive cômoda, né? Acomodada, porque tá fazendo o que faz há anos, o que não vem dando certo. Mas aí é isso. Ninguém abre mão do seu lugar cômodo e não mostra nenhuma capacidade de mudar sua posição no debate político brasileiro. Não demonstra a capacidade de ousar sair do lugar de irrelevância do debate político brasileiro no processo eleitoral. [...] Se isso vai ser mantido [em 2026], gente, é uma confissão da esquerda radical, pelo menos nesse momento, nessa conjuntura, de algumas dessas organizações, que não há nenhuma capacidade de disputar a hegemonia da classe trabalhadora, de se colocar como alternativa política e histórica ao petismo. Porque se a gente não consegue estabelecer uma mínima unidade e qualificar uma campanha eleitoral, como é que a gente acha que vai dirigir a classe trabalhadora em prol da revolução brasileira?"

E, no final, faz uma pergunta-proposta, de fato, ousada para a esquerda brasileira:

"E aí, veja: é um problema, inclusive, se estabelecer uma mesa de debate entre as organizações de esquerda marxista do Brasil para debater a eleição e, por exemplo, propor uma dinâmica de debate de primárias, de debate nacional para escolher uma candidatura unificada? Tipo assim, é impossível fazer isso? É um problema sério, é um ataque à organização? Tipo assim, não dá não para fazer uma mesa de debates e a partir de consultas bases, de mobilização e por aí vai estabelecer uma candidatura unificada? Eu não acho que isso seja um problema."

Ou seja: há uma proposta aqui encaminhativa que não diz respeito só a nossa organização, só ao PCBR. Diz respeito a todas as outras organizações do campo da esquerda radical. É claro que essa é a posição do camarada (ou hipoteticamente, já que ele está aí dando apenas um exemplo), e não a posição de nosso Partido. Não quero aqui entrar no mérito da proposta (que por si só deveria suscitar uma série de tribunas, inclusive do próprio camarada!), apenas aproveitar que sua construção inteira parte de um balanço de partidos além do PCBR e que sua execução também depende deles. Especialmente porque Jones comenta algo que sentimos na prática: parece que propor algo a outras organizações, propor que deixem de lado sua construção em si mesmada para fazermos algo coletivo, em que talvez nenhum partido ganhe substancialmente por si só, mas no todo consigamos avançar na organização e disputa de consciência do proletariado, parece que propor isso é o mesmo que um ataque. Um problema. Uma quebra de jurisdição, uma interferência, intervenção ou ingerência não solicitada.

Para exercício do pensamento, vamos supor, então, que já tivesse sido debatida e aprovada que seria essa a nossa tática para 2026. Estamos diante de uma decisão que não depende só de nós, e o que podemos fazer em relação a isso? Vamos expor nossa posição, falando de nós e o que achamos, e depois somente conversamos com os dirigentes dos outros partidos próximos? Quando o PSOL (setores de esquerda), UP, PCB e/ou PSTU (estas que são nacionais, mas pode-se adicionar aqui algumas que existem em determinados estados como OCI, MRT etc.) negarem, vamos nos dar por vencidos e fazer uma nota vaga dizendo “é isso, não deu certo”? Como, de certa forma, fizemos com a tática de construção de comitês e de construção dos atos nacionais “unificados” pela redução da jornada de trabalho (que nem nota de balanço fizemos ainda, mas que as três primeiras citadas simplesmente nunca construíram conosco)? Convocaremos vagamente de novo as “organizações proletárias e populares”, sem dizer quais são — embora todo mundo saiba —, a atender nosso chamado enquanto seus dirigentes nos ignoram ou fazem pouco caso de qualquer construção coletiva?

Quando queremos construir algo coletivamente, devemos colocar também a responsabilidade de unidade nas costas daqueles que queremos nos unir: além de mencionar uma a uma, devem ser publicamente convocadas a responderem, e que assim suas bases avaliem a justeza ou não de suas posições. Era o que devíamos ter feito quando lançamos a plenária e a política de comitês. Só com um balanço sobre estas outras organizações e uma crítica profunda é que poderemos avançar para forjar a unidade entre, novamente, não só nosso Partido, mas nosso campo inteiro. Isto é base fundamental do centralismo democrático de Lênin: a polêmica pública, tal como a defendemos, não pode ser restrita somente à nossa organização, aos debates organizativos, políticos ou ideológicos que se encontram em nosso partido. Deve ser, também e com tanta prioridade quanto, a disputa com outras organizações-partidos-movimentos, com intelectuais relevantes e com quem mais fizer sentido — amparada na camaradagem e busca ativa pela unidade de ação. E precisamos fazer isso claramente, sem meias palavras: precisamos dar nome aos bois.

Qual o medo que temos de fazer isso? Esse corporativismo impregnado mesmo nas esquerdas é sinal de sua completa rendição à politicagem burguesa ou pequena burguesa, onde tudo é construção de acordos, cúpulas, e mãos que lavam outras sem clareza programática do porquê desses mesmos acordos para as bases, excluídas de toda a discussão e contextualização. Partidos e dirigentes absortos em egos frágeis, arrogância e tão cheios de si que faz-se necessário reiterar o óbvio que tentam enterrar: a nossa política não pode ser a da pequena burguesia. Como ousa, você, militante do PCBR, dizer à UP, PSOL, PSTU etc., o que devem ou não fazer? Falar sobre o que fazem e, principalmente, exigir que se movam em tal direção — em nome da classe e da revolução, em unidade? Que crime, que falta de decoro, que rebeldia contra os princípios básicos do comunismo brasileiro: cada macaco no seu galho. Da minha vida, do meu partido, cuido eu. Do seu partido, cuide você.

É notório verificar exatamente essa postura na reação à proposta de Jones nas redes sociais, especialmente instagram e twitter, que são palco de discussões políticas sem qualquer qualificação — pois mesmo no PCBR ainda há uma baixa adesão às tribunas organizadas na imprensa partidária, e, nos outros partidos, é menor e menos generalizada a utilização da imprensa partidária para suscitar discussões ou debate entre posições "individuais". A mera exposição da proposta já é tratada como um absurdo, uma ofensa, como uma tentativa de “incitar a base” de outros partidos a pressionar (!) seus dirigentes (!!) por uma unidade ao redor de uma candidatura entre as esquerdas radicais (!!!). Que crime. Que feio, Jones, isto é o mesmo que “semear discórdia entre bases e direções pra forçar a linha que ele [Jones] acha melhor”, é “constrangimento externo para que o partido aceite decisões à revelia de suas instâncias internas”. Porque deve ser óbvio que nos partidos comunistas não há nas bases qualquer “antagonismo ou mesmo contradição com a direção”, só “unidade dialética com ela”.

Não é possível dialogar com outros partidos (nem com suas bases, principalmente elas — tão ingênuas e influenciáveis, tadinhas), porque isso significa disputa política (que, sendo livre e aberta a crítica, não é possível os dirigentes a controlarem, pois controle é melhor que direcionamento), e disputa significa discórdia (pois se os dirigentes — que são sempre uma coisa abstrata e homogênea — têm posição contrária, então aparecerá aí uma contradição interna, o maior terror destes “marxistas”, que deverá ser suprimida, não superada...), e discórdia significa quebrar a “unidade dialética” entre bases e direções (“Centralismo é quando o dirigente cospe em você do terceiro andar, e democrático é quando você cospe de volta!”), e assim o partido “leninista”, como ilha isolada que é, desmorona (ou afunda).

O que acontece enquanto a decisão das direções de algum partido ainda não foi tomada — e agora, José, o que farão as bases? Não há contradição ou antagonismo de posições possível pois não há nenhuma palavra dita das direções. Resta então a unidade dialética entre o silêncio na boca das direções e o vazio na cabeça das bases. Não podem os militantes terem opiniões — já perguntaram hoje às suas direções o que vestir e o que comer, o que podem ler e o que podem assistir? — enquanto os dirigentes não as têm, devem se sentar no cantinho, pacientemente, enquanto os adultos discutem na sala ao lado (e julgam o que vai ser discutido ou não, porque “não serão pautados” por nenhum tipo de debate ou proposta que não venha de suas cabeças iluminadas).

Não passa de uma covardia sem tamanho daqueles que igualam a crítica a ataques baixos — estes sim que queimam pontes ou prejudicam a unidade. Não devemos ter medo de nos isolarmos por expor nossa linha, por buscar trazer o debate entre as organizações para a classe toda observar. Se nos isolarem, que seja então, camaradas. Não teremos medo das consequências de nossas próprias convicções, querer os fins mas não os meios — pois seria medo ou só o comodismo da velha “cultura política”, vinda da tradição pecebista, cheia de relações e conexões inconversíveis à unidade real com fundamento na hegemonia proletária, que não conseguimos ainda nos desvencilhar de vez? É o princípio da “boa vizinhança” ou da camaradagem que rege os comunistas?

Outras organizações geralmente não fazem isso e não estão dispostas a fazê-lo. A justificar publicamente para suas bases, pra classe trabalhadora e pro movimento comunista em geral o porquê de cada uma de suas decisões. Era o caso do PCB unificado, que pode ser estendido a muitas outras:

§36 Quanto às demais organizações proletárias e revolucionárias de fora do PSOL, o PCB manteve uma política de distanciamento tanto em relação a todas as organizações não-legalizadas quanto em relação ao PCR/UP e ao PSTU. No entanto, o Partido nunca sustentou abertamente quais as profundas divergências que justificassem esse distanciamento. É evidente que elas existem, ou então sequer existiria a divisão entre todos esses partidos. Também deve ser evidente que, quando falamos em uma Frente, estamos tratando do esforço de construção da unidade de ação entre distintas organizações partidárias, naquilo que as une, a despeito de toda a profundidade de suas divergências ideológicas. (Resoluções de Estratégia e Tática do PCBR)

Para superar isso, chegamos à conclusão que

§39 [...] Qualquer aliança deve ser formulada pelo organismo partidário que a proponha à luz de sua coerência, como manobra tática, com nossa perspectiva estratégica. Para superarmos o “frentismo errático” federalista que caracterizava o PCB, precisamos compreender e justificar não só para os membros da nossa organização, mas para toda a classe trabalhadora [!], de modo sistemático e integral nossas alianças e nossa inserção em frentes de unidade de ação. (Resoluções de Estratégia e Tática do PCBR)

É dever das agremiações comunistas justificar e convencer de que estão certas, pois é claro que acreditam que estão certas. Porém a moleza e falta de disposição de algumas não deve importar para nós. É também nelas que se mostra sua política. A polêmica, sendo qualificada e direcionada, servirá justamente para declarar quais posições estão certas ou equivocadas — inclusive podemos ser nós os equivocados! E isso é ótimo, porque poderemos com muito mais velocidade corrigir nossos erros, corrigir nossas insuficiências teóricas e políticas, e avançar rumo à condição de vanguarda reconhecida da classe. Tudo isso é muito (ou deveria ser) sabido para nosso debate intrapartidário, mas que evapora no debate extrapartidário.

Não é como se o corporativismo político imperasse sempre, devo admitir. Polemizamos com outras organizações em relação ao internacionalismo proletário (em nossa nota mencionamos correntes psolistas e o PSTU) quando discutimos a Síria, mas também a Ucrânia (guerra interimperialista x anti-imperialista) e até mesmo a Palestina (solução de dois Estados x um Estado único). Respondemos aqueles que defendem o governo ou tentam justificar a “independência” frente ao governo em contraste ao papel da oposição. Criticamos, já bem menos do que o merecido, o próprio movimento VAT em sua forma de tocar a luta pelo fim da escala 6x1; assim como também fizemos críticas locais em relação ao VAT e outros nessa luta. E nem por isso, em momento algum, deixamos de construir unidade de ação com aqueles que representam posições que discordamos.

Citando casos do ME universitário, vimos que mesmo falseadores como a UJS (PCdoB) realizaram, logo antes do CONUNE, uma tentativa de ataque ao Movimento Correnteza em nota pública. Nota essa que foi respondida por algumas juventudes, como o Juntos! e inclusive nós. O Afronte, quando anunciando sua capitulação ao governismo e questionando diretamente a necessidade de manutenção de um campo de oposição, foi também claramente respondido por membros do seu próprio partido, novamente o Juntos!. Olhando nossas páginas no instagram, há uma série de situações que nos forçam a polemizar diretamente, inclusive com campos próximos — como foi notoriamente o caso da ocupação da UERJ, e em diversos outros locais de atuação. Porém não passam disso: situações específicas mais ou menos isoladas e desconectadas; e, se aqui estico a baladeira um pouco demais, é porque ainda não identifico nestes exemplos um sentido geral rumo à polêmica entre a esquerda revolucionária, que potencialmente poderia ser o ponto zero para uma nova “cultura política” no movimento comunista brasileiro.

Há várias situações que não tiveram a polêmica feita claramente: vejamos nossa política de comitês pelo fim da escala 6x1 e de construção de atos nacionais. Temos um amplo campo de partidos que defendem o fim da escala 6x1 e redução da jornada de trabalho em seus discursos, figuras públicas, notas, jornais. Então por que, devemos perguntar, só algumas poucas organizações, notadamente PCBR e PSTU a nível nacional, decidiram se somar aos atos “unificados”, mesmo tendo sido feito um convite geral? Por que, no terceiro e último desses atos, somente o MES do PSOL se somou à sua construção? Camaradas, temos uma imprensa que roda todo o Brasil e tem cada vez mais se qualificado como um espaço para discussão entre os comunistas; e cada uma dessas organizações tem também seus próprios órgãos de imprensa. Que os façamos justificar, então, aos olhos de todos, por que dizem uma coisa e fazem outra.

Deixando de lado os reformistas (PT e maioria do PSOL, que caberia ser criticado corrente por corrente até à esquerda) e indo diretamente a aqueles que mais nos confundimos: não é, por acaso, o PCB que tem, desde 2022 e até antes, como pauta programática também a redução da jornada de trabalho; que tem como estratégia para revolução socialista a construção do Poder Popular e a autogestão dos trabalhadores — então por que não atenderam a nosso chamado coletivo e construíram comitês de luta conosco, por que não mexeram um só dedo para colaborar junto com nossos partidos aliados em luta pelo fim da 6x1 nas plenárias e atos unificados? Não é, por acaso, a juventude do PCB que tem, desde o IX Congresso da UJC, o mesmo programa para a juventude que nós; então por que tiveram orientação nacional de não compor chapas conosco no CONUNE, mesmo quando, em algumas universidades, era a única possibilidade de participar e assim colocar na disputa o programa da Universidade Popular — que nós dois defendemos?

A UP, que também defende a redução da jornada de trabalho publicamente, por que não atendeu aos nossos chamados em nenhum momento, e, posteriormente aos atos unificados, fez atos próprios, que visam somente a autoconstrução — prática, aliás, recorrente na UP —, preferindo se submeter ao movimento VAT, recheado de desvios e personalismo, do que colaborar para transformar a luta numa pauta comum entre a esquerda, hegemonizada pelo proletariado mais avançado?

É claro, estou aqui fazendo uma série de perguntas (que todo militante carrega consigo, alguns com respostas intuitivas), sem necessariamente ainda fazer uma crítica qualificada às organizações (cada uma destas perguntas exigiria uma nota pública de crítica e chamado à ação, com mais elementos do que sou capaz de incluir neste momento). São críticas que todo militante tem, mas que nenhum diz organizada e publicamente. Esse é um começo e um convite ao diálogo aberto e franco, tanto aos nossos camaradas do PCBR que desenvolvam e qualifiquem suas críticas aos outros partidos (como já vinha sendo feito na época das tribunas, se não me engano, com a UP e o PT), mas também a militantes de quaisquer outras organizações. Tenho certeza que, caso se empenhassem em nos responder, teriam uma avalanche de perguntas semelhantes para nos fazer e exigir nossa resposta. Ou, perguntas-acusações-críticas que necessitam justificativa-defesa. São porradas que devemos dar e porradas que merecemos receber, como diria Lênin.

No dia a dia do trabalho prático, somos vistos quase como o anticristo ao expor nossas diferenças, especialmente quando fazemos dentro do mesmo campo político. Nas situações em que saímos sozinhos em chapa eleitoral, é notório ver como há uma surpresa dos militantes quando damos nomes aos bois e, por exemplo, dizemos claramente que o Correnteza, ou Juntos!, ou outra organização aliada na oposição, está errada sobre determinada questão ou não tem a firmeza política que nós temos. A maior parte dos nossos panfletos, senão todos, contiveram, neste último CONUNE em meu estado, críticas diretas e sem arrodeios às chapas disputantes; nossas falas se orientaram sempre pelo princípio da diferenciação aberta e qualificada (de certa forma inclusive inspirados pelo contato com o Rebeldia nos espaços da UNE). Se, para os militantes, é talvez chocante e os põe em estado de defesa e indisposição conosco, para as bases é maravilhoso: grande parte dos avanços que temos feito foi justamente por conta de sermos a única organização que não tem rabo preso ou papas na língua — sem nunca, entretanto, prejudicar a unidade de ação e alianças táticas. Se, no ME por exemplo, em termos de programa, não há diferenças significativas entre o eixo revolucionário, há grande diferença em termos mais práticos, como política de alianças, táticas de luta, firmeza e coerência política. 

Se estamos errados em determinada questão, então que provem-nos e nos desmoralizem politicamente frente às massas. Caso falhem — ou mostrem sua pequeneza liberal nas tentativas de fuga do debate político para picuinhas, ataques pessoais ou outros tipos de cortina de fumaça —, ficará claro para os trabalhadores quem deve liderá-los. Caso acertem, é nosso dever reconhecer nosso erro, retificar nossa linha e então prosseguir com a posição correta.

Nosso lema, na juventude, é “Ousar Lutar, Ousar Vencer”. Temos que ter a ousadia revolucionária de colocar nossas posições sem medo, criticar os erros todos que vimos sem medo, e não podemos limitar isso às nossas paredes de vidro. Podem querer nos acusar de tentarmos separar o movimento, fragmentar a esquerda, promover a desunião entre os lutadores do povo — ou melhor, já fazem essa acusação. E, bem, não já está a esquerda fragmentada? Não há já uma separação infrutífera no movimento? O estado de coisas já não é péssimo para os trabalhadores? Discordamos frontalmente que isso é culpa da polêmica, da crítica. Talvez o contrário seja muito mais próximo da verdade.

Viemos realizando o trabalho adequado de expor quem são os inimigos e traidores do povo (fazendo a denúncia sem vergonha alguma de nos declarar oposição ao governismo do PT, PCdoB e PSOL [direita], entre outros), mas é entre os verdadeiros lutadores do povo que nos confundimos e continuaremos nos confundindo se não houver o justo método de crítica e autocrítica; e confusão não é unidade.

Retomando uma vez mais a proposta de Jones, nos perguntam raivosamente: a unidade seria somente em torno de Jones Manoel? “Se ele não for o candidato, o discurso de unidade se mantém”? Esta é uma suposição que fazem, acusando-o de oportunista e retomando as mesmas birras infantis que personalizam uma discussão que deveria ser eminentemente política e coletiva, tal como os pecebistas fizeram durante o racha. Centralizam toda discussão em torno de uma figura específica, ignoram ou secundarizam todo o caráter político da proposta e suas razões e consequências, e assim conseguem rebaixá-la inteiramente: de “seria uma unidade eleitoral da esquerda radical a melhor opção para 2026” para “Jones é ou não é oportunista, individualista?”.

Temos que ressaltar algo, latente desde o racha, que é: as ideias não surgem do ar, a partir da genialidade divina de uns ou outros. Não podem ser atreladas a indivíduos particulares e nada mais, como se fossem coisas indissociáveis de seu proponente inicial. As ideias contêm em si o poder de, uma vez coletivizadas, tornarem-se uma força material, para muito além de quem as enunciou pela primeira vez. Não importa se Jones quer se autopromover ou se ele é oportunista. Alguns podem espumar quando ressaltamos (e na prática o mostramos) que o PCBR e suas posições políticas não se resumem a Jones, ou muito menos aos gabrieis paulistas... Parece que esses “marxistas” se guiam pela lógica: Jones é “oportunista” em essência imutável (que significa: “oportunismo quando só se pensa em si mesmo!”, bastante longe do que deveria ser oportunismo na tradição marxista), logo sua proposta e qualquer coisa que falar é oportunista. Que belo marxismo! Não veem o que deveria ser básico: se pelo menos se prestassem ao papel de criticar qualificadamente as propostas e política de Jones e mostrar que elas são oportunistas (poucos os que fazem isso), então poderíamos taxá-lo como oportunista. Até agora (escrevo isto no início de setembro) não há qualquer tentativa de elaborar criticamente sobre sua proposta — mas não faltam as “análises” sobre Jones como indivíduo, como militante, como youtuber etc. É característico o traço liberal de tentar desmoralizar uma proposta sem falar um “a” sobre ela, mas escrever tudo que for possível para desmoralizar seu formulador.

Mesmo dirigentes partidários adotam postura semelhante, embora então um pouco mais qualificada: é o caso de Sued Carvalho, presidenta da UP Ceará, que responde diretamente ao vídeo de Jones Manoel (sem citá-lo diretamente, mas fica óbvio dada a temporalidade e inclusive declarações pessoais da camarada) em seu artigo recente “A UP não é um partido de aluguel”, publicado na versão impressa do Jornal A Verdade. Acusando Jones de entrismo (?) e infiltração (!) na UP, vejamos um pouco mais a fundo o que ela diz:

"A UP surgiu da decisão de movimentos e organizações [...] de construírem um partido aguerrido para transformar a realidade brasileira. Nossas lutas [...] têm como horizonte a conquista desse programa, e assim sendo, os candidatos lançados pela nossa legenda devem se comprometer com a defesa integral [!] desses pontos."

Então sobre aceitar candidaturas:

"Aceitar candidaturas sem critério, apenas para lançar muitos nomes como atalho para atingir o quociente eleitoral é deformar nossa organização e entregá-la às vontades pessoais e mesquinhas, dissociadas do projeto de transformação nacional que almejamos."

Sued frisa então que “O que não podemos permitir são teses contrárias ao programa nacional aprovado coletivamente em Congresso, pois isso seria romper a democracia partidária”. A partir daí discute o entrismo, com uma primeira acepção correta, mas que passa para uma segunda, mirando no Jones:

"Outra forma de entrismo é o constrangimento externo para que o partido aceite decisões à revelia de suas instâncias internas. Essa tendência vem, normalmente, de outras figuras de esquerda que perderam espaço nos diretórios de suas organizações, mas têm ainda influência em seguidores nas redes sociais e plataformas de vídeo. Sabendo da influência e admiração que possuem sobre seus seguidores, buscam pressionar o partido a acatar as posições desses “influencers”."

Aqui então vemos claramente que o que Sued está combatendo (abstratamente) são apenas espantalhos, e não a proposta efetiva. Foi proposto, por acaso, que a candidatura serviria apenas para “lançar muitos nomes como atalho para atingir o quociente eleitoral”? Não. Em nenhum momento sequer se fala disso: se ela tivesse ouvido a proposta com atenção, notaria que se trata de fazer uma aliança eleitoral entre a esquerda radical para ter campanhas com maior influência no debate político nacional, mais capacidade de inserção na classe trabalhadora, com um nível de profissionalismo e cooperação maiores do que os vistos nos últimos anos. Não é proposto, em momento algum, “lançar candidaturas sem critério”, ou lançar candidaturas que tenham “teses contrárias ao programa” de qualquer partido desta aliança; pelo contrário: que consigamos ter espaços coletivos de discussão e elaboração de um programa comum, consensual entre nós, que tanto cubra o essencial de todos os partidos coligados quanto, é claro, não se contradiga com seus programas individuais.

A UP, por essa lógica de suas candidaturas só serem a partir de uma “defesa integral” dos pontos do programa, não faria nunca acordos eleitorais e sempre lançaria seus próprios candidatos. O que, vejam, simplesmente não é o caso: há exemplos e exemplos de abandono de pontos programáticos para apoiar outras candidaturas — inclusive rebaixadíssimas — a troco de oportunidades ou avanços que o Partido tenha julgado positivos. É o caso das eleições de 2024, onde a UP em Fortaleza abandonou sua candidatura à prefeitura — que teria a “defesa integral do programa” — para a apoiar Técio Nunes (PSOL), uma candidatura patética em termos programáticos (Técio faz parte da direita do PSOL e quase não teve apoio de seus próprios companheiros de partido, se envolvendo posteriormente às eleições no governo neoliberal de Evandro Leitão e suscitando uma polêmica até hoje dentro do PSOL Ceará), patética em termos de quantidade de votos e de mobilização social. Portanto é claro que essa “defesa integral do programa” da UP é maleável a depender da situação política avaliada, e claramente o partido já tem disposição em fazer alianças eleitorais. Por que não então uma aliança entre a esquerda radical — e por que sim uma aliança com o setor governista do PSOL?

Sued falseia a proposta de Jones para construir um argumento de que a UP não é um partido de aluguel. Que bom que não é! Acontece que nenhum revolucionário está propondo alugá-lo, mas fazer uma aliança — frente eleitoral — com ele (e não só com ele). O que muda completamente a questão e torna seu artigo, de toda forma, insuficiente para respondê-la: sobre a política de alianças, ela não diz nada.

A aqueles que acreditam que a aliança eleitoral proposta representa uma política oportunista no movimento operário, desembuchem logo de uma vez o que exatamente é oportunista nela:

Quais suas posições sobre uma unidade eleitoral da esquerda radical, digamos a construção de uma federação em 2026? O atual estado de fragmentação do movimento comunista é bom? Nossas “alianças” (chega a ser um exagero chamá-las assim) hoje são o máximo de unidade que podemos ter ou não, e por quê? Ou é melhor sair cada partido sozinho, cada macaco no seu galho, sem dar o braço a torcer em qualquer coisa que não seja autoconstrução e autocrescimento (pois digam isso claramente se é o que pensam!)? Tratando-se da candidatura presidencial, de maior projeção, Jones é ou não é hoje o comunista com maior influência no debate público brasileiro? Gostem ou não, já não é possível escamotear a importância da internet, e especialmente as redes sociais, para a informação e construção de opinião da maioria da população; poderíamos fazer uma longa listagem de estudos científicos sobre o papel das redes sociais inclusive decidindo resultados políticos — se fosse possível ignorar as redes ou tratá-las como algo menor, por que estaríamos tão preocupados em regulamentar a internet, em garantir a soberania digital do país? Voltemos ao central: se não será influência no debate público um critério relevante, qual deveria ser utilizado para definir a candidatura escolhida ou as candidaturas, se pensarmos também níveis regionais? O que seria possível, em termos de programa, de uma candidatura unificada? Quais seriam os partidos envolvidos e, novamente, quem seriam os candidatos? Entre muitas outras questões correlatas para pôr a limpo uma verdadeira unidade. É isto que o movimento comunista precisa se debruçar em análise para que os setores mais avançados da classe consigam visualizar a direção cientificamente comprovada.

De qualquer forma, retornando à pergunta que nos fazem: a unidade seria somente em torno de Jones? O próprio já respondeu muito bem a esta questão:

"E aí, Jones, você tá dizendo que o PCBR é o melhor, é o que sempre faz unidade? Não tô dizendo isso. Agora, o que eu sei concretamente é o seguinte, veja: na eleição 2024, o PCBR não tinha registro eleitoral e a gente fez política eleitoral apoiando [...] vários camaradas da UP, do PSTU, das alas esquerdas do PSOL [e, acrescento, inclusive do PCB, mesmo com o racha ainda “recente”], sem problemas, né? Acho que assim, a gente tem o critério da prática de dizer assim “ó, em 2024 nós não podíamos lançar candidatura e não fizemos pressão em ninguém para abrir o espaço pra gente lançar candidatura. E a gente apoiou, sem problema, candidaturas da UP, candidaturas do PSTU, candidaturas do PSOL [e do PCB]”. Perfeito?"

É claro que a lógica de autoconstrução ainda não foi completamente superada em nosso partido. Apesar de haver uma direção mais ou menos visível no espírito que foi o racha e algumas das nossas principais políticas recentemente, ainda há, especialmente nas lutas mais cotidianas que ainda se baseiam muito mais numa cultura política local, muitos exemplos de agirmos de formas muito parecidas com as outras organizações — nem sempre conseguimos dar um passo atrás e então ser o exemplo de disposição para construção de unidade que queremos ser. Este processo, entretanto, deve ser amplificado cada vez mais.

Toda a discussão que tenho feito aqui se trata do método para construir essa unidade. É ou não é a crítica e autocrítica o método de correção de desvios (inclusive de linha ideológica e de prática política) dos comunistas? Consideramos os outros partidos aliados como comunistas (mesmo com seus desvios, pois se não tivessem faríamos parte deles) ou não? Se sim para as duas perguntas, então por que a crítica e a autocrítica não deveriam ser utilizadas nas nossas relações interpartidárias? Acabar com a confusão é a melhor (e talvez única) forma de construir a unidade entre este “campo” que é a esquerda radical — inclusive para sabermos (tanto nós quanto a classe) quais os verdadeiros limites desta mesma unidade e quem tem verdadeira disposição de construí-la (em torno da qual gira a concepção de nosso papel hegemônico, como expresso no §37 das Resoluções de Estratégia e Tática do PCBR); se pode ser feita nas eleições burguesas, se pode ser feita na luta contra a escala 6x1, na luta contra o PL da devastação, no movimento estudantil etc. Sem isso, a unidade é intangível, palavreado inconsequente.

É preciso explicar ao povo (e a nós mesmos) o porquê dessa unidade não ter acontecido até agora. Desta unidade não estar acontecendo neste exato momento. Há, hoje, condições ou não para transformar esse “campo” da esquerda radical em uma Frente Anticapitalista e Anti-imperialista no Brasil, que unifique “na luta socialista revolucionária todos os movimentos operários e populares que se chocam contra o Estado capitalista e a dominação burguesa no campo e na cidade” (§38 das Resoluções de Estratégia e Tática do PCBR)? Precisamos fazer um balanço sério, público, sobre o movimento comunista mais recente, que envolva muito mais do que somente o PCB (já em boa parte contemplado em nossas resoluções), mas também os outros partidos que atuam no Brasil e como são as relações com eles. O que inclusive está em nossas resoluções:

§41 É tarefa do Comitê Central, no próximo período, organizar o desenvolvimento de um estudo científico detalhado sobre as principais organizações políticas e movimentos populares brasileiros, seus programas, suas estratégias e táticas. Essa análise deve ser a base para uma atuação tática ainda mais consequente e precisa do Partido frente às movimentações da conjuntura, mas principalmente uma visão estratégica das organizações no sentido da composição da Frente Anticapitalista e Anti-imperialista.

Se queremos construir um campo político de fato, uma esquerda radical capaz de intervir unida nas principais lutas dos trabalhadores, como primeiro passo precisamos fazer isso a partir de um amplo debate entre suas principais correntes e partidos, aberta e qualificadamente, dando nome aos bois.